Cadela de Mineville



Perdi as esperanças num balcão de couro fétido
Bebi em memória daqueles que a mim brindaram
 Tombei lentamente pelas madrugas algozes 
Deitei com mulheres que nunca, jamais, amei 
De gole em gole sulfurei meu próprio esôfago 
Cantarolei as angústias de um passado distante 
E com a melhor roupa umedecida pelo pior perfume roubado
 Fiz promessas sinceras, fictícias, estapafúrdias 
Menti habilidades, prazeres, viagens e desejos 
Conheci o fundo do poço do pior dos infernos 
Sofri calado fingindo suspiros nas tardes ensolaradas
 Nunca admirei ver flor nascer ou ave planar 
E mesmo que minha vida tenha sido um blues 
E sem ter compreendido o valor real da alma 
Ao meu lado sempre tive os belos ladros famintos 
Carinhosos demônios urbanos perdidos 
Donos de suas ruas, cidades, lixeiras e sarjetas 
Maestros que orquestram a anarquia dos becos 
E trepam raivosos e sujos em qualquer lugar
 Amigos do homem, mas antes, criaturas do mundo
 De sentido aguçado e olhar profundo, sereno 
Sempre próximos à dor de quem os estima 
Justos, eternos e efêmeros, os melhores cidadãos 
Monstros alegres, vis, atentos e vorazes 
Até que uma cadela, certo dia, me latiu com ódio... 
Suspirei devagar, sentei num canto, e morri.
No quarto trago do meu cigarro...

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