Crimes da criação - I

Houve um tempo como o agora, cinza, onde todo encontro era secreto, aos ventos cortantes e verticais correntes, de um ar silencioso e rarefeito.
Houve um lugar como o agora, distante, onde toda lembrança era esquecida, rapidamente, na magia translúcida de um Deus abandonado.
Houve um espaço que se chamou agora, onde tudo o que se há já foi, e será, como sempre, presente, na ideia do ser que a tudo fantasia.
Éramos apenas um, transbordado, espalhado pelas esquinas vazias. Éramos o filho direto do cosmo pagão, no espaço sem Deus, sideral, navegando na eterna ausência de tudo, vitimado pela lembrança – que nunca foi matéria.
Éramos mercúrio. Soando atomicamente à caça de teu par. Expulsos a fórceps do mundo da matéria – o paralelismo diabólico.

A última vez que o vi ele estava confortável, sentado em uma cadeira de pedra flutuante, espetando com uma pequena adaga um galo negro que jorrava sangue. Vestia um paletó de lã cinza. Corpo de menino, longos braços e cabeça de elefante. Olhava lascivo enquanto controlava a lua, presa à ponta de sua língua áspera. Na praia, montanhas em formato de cabeça de cavalos escondiam o sol avermelhado, que iluminava esqueletos de aves gigantes, passeantes daquele ar sujo e denso.

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