COSMOLÓGIKA - Parte III - Albergarias

Degenera
E Combina
Carbono e alma, poeira e lembrança
Para fazer existir o ser
Que dança
Ilumina e explode
E fere, ionizado, o calor supernovo
Interestelar, constante
Do amor
Infinito e inacabado.
E a chama rarefeita espanta
A ausência do todo
Na presença do mantra
À tecer as veias de ódio
Que o silêncio criou.
Inferno sem alma
Aos sóis de pedra
Aquece os ventos imóveis perdidos na imensidão.
Alguns dirão: é Deus

Outros, razão.

Crimes da criação - I

Houve um tempo como o agora, cinza, onde todo encontro era secreto, aos ventos cortantes e verticais correntes, de um ar silencioso e rarefeito.
Houve um lugar como o agora, distante, onde toda lembrança era esquecida, rapidamente, na magia translúcida de um Deus abandonado.
Houve um espaço que se chamou agora, onde tudo o que se há já foi, e será, como sempre, presente, na ideia do ser que a tudo fantasia.
Éramos apenas um, transbordado, espalhado pelas esquinas vazias. Éramos o filho direto do cosmo pagão, no espaço sem Deus, sideral, navegando na eterna ausência de tudo, vitimado pela lembrança – que nunca foi matéria.
Éramos mercúrio. Soando atomicamente à caça de teu par. Expulsos a fórceps do mundo da matéria – o paralelismo diabólico.

A última vez que o vi ele estava confortável, sentado em uma cadeira de pedra flutuante, espetando com uma pequena adaga um galo negro que jorrava sangue. Vestia um paletó de lã cinza. Corpo de menino, longos braços e cabeça de elefante. Olhava lascivo enquanto controlava a lua, presa à ponta de sua língua áspera. Na praia, montanhas em formato de cabeça de cavalos escondiam o sol avermelhado, que iluminava esqueletos de aves gigantes, passeantes daquele ar sujo e denso.

plástiko

couraça que não é pele
perfume sem fragrância 
boca sem lábio

homem sem sexo
costela de curvas
núcleo de mãe-terra

do caos na arte
arranca ar, da água e do mar
e do olho a lágrima

e do petróleo, o plástico
pra aquecer a dor
de sentir ou não ser 


do belo - I

o belo que beliscou o bélico
e amado Armando, no braço,
tinha traço psicodélico,
e quando sóbrio, um embaraço.

e o beliscado então irado
e armado, fiel e evangélico,
mandou bala de atravessado
no peito, e bradou, colérico:

que o belo arda no espaço
de deus, vilão aristotélico,
e o feio se dobre, por cansaço
pecando, enquanto histérico!

assim termina eterna luta
beleza é luz, não se disputa.

ausenta

Eu que não mais me sou
E nem me era, quando todo te fui
Antes de ser, aos muitos, os poucos
Pedaços da ideia de mim
Ou daquilo que nos fora, à um
E pelos muitos que não éramos, à ti
Sou aquele que não mais lhe é
Sou aquele que não mais tem fim

Sou a tua parte que nunca foi de mim





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homossina

o fogo – prenúncio
de morte e tempestade, antes raio vermelho
que faz impuro, o céu antes espelho
das águas – o anúncio.

no domínio das chamas – o homem se aquece
e esquece de dissecar, assa
a presa sem pressa, essa – a prece
do humano, cuja fome não passa.

ali se estica, crânio e coluna
a pinça – desgruda, da mão o polegar
à uma, que implica andar
o bípede, na terra firme ou duna.

fez-se então racional pela mentira e animal pela verdade

e o sapiens de mente demente e sápida
que evolui, se rápida
como a pólvora que deu ao combate a mira
faz política - metalurgia – pelo carvão que fira


como calos em Aquiles – aqueles que nele arde




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Síria de nós

Somos a Síria de nós mesmos,
somos o Putin cidadão cansado, 
na poltrona que balança, 
a observar a neve cair, 
no chão rósea de história e sangue

Somos os Sunistas no balcão de couro, 
rasgado, tragando 
em suspiros a fundação da nova alma. 

Perto dos Deuses, longe dos humanos. 
Somos anjos
Somos os sítios e os sitiados, 
terroristas e aterrorizados. 

O terror é o brilho seco nos olhos 
de Assad
Somos uma pirâmide oca, 
que pede por armas e companhia. 
Chumbo, concreto e esperança. 

O nada toma forma
Diz ser Rebeldia e ataca 
com leões, o Estado de brinquedo, 
jovem e incapaz

Mas não somos a América! 
Não somos arsenais
Somos o segundo de dúvida, 
do cidadão que laça o dedo 
no gancho da granada


Somos a Síria de nós mesmos




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a lua para ti

Roubaram os acordes do meu blues
E qualquer dor que eu merecia,
Além da bolsa de esperança sintética,
Com os ventos do meu norte e as vestes da minha alma,
Poucos cigarros e um isqueiro.

Dobrei a esquina na rua errada
E um outro me roubou a fome...
Perdi toda a inocência
Que encontrei hoje, tateando
A gaveta falante do meu criado-mudo.

Ainda bem, meu amor,

Que te dei a lua de presente.


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