credo


Sigo na fé de tê-la, sem saber
Se ter fé é sabê-la, ou contar com a sorte

Pra se guiar a norte – é triste viver
Quando a fé te trai não há mais querer
Imóvel, com fé na permanência
De estar ciente que o norte é morrer
Triste é ter fé na própria demência
De querer em vida o que é da morte

O corte

Pois sabe o forte, que a fé é alheia
E o sábio que esbarra na ciência
Que pra ter fé é preciso tê-la
E sabê-la – ajoelha-te ao bendito

O que é óbvio precisa ser dito
Somos nós a outra vida que permeia
...

À fé, adeus

COSMOLÓGIKA - parte II

Muitos foram os dias em que eu nasci. E muitos foram os dias em que eu deveria ter morrido. O dia é sempre um dia e a noite é sempre escura. E sempre mais escura quando próxima do outro dia. Nunca houve uma noite em que eu deveria ter morrido. Nunca houve uma noite em que eu deveria ter nascido. As auroras são as gêneses, o dia só o é por que ele nasce oriundo de uma morte noturna. A noite em que eu deveria ter um dia, é a gênese que me falta. É a dor que escreve esse texto. Não há carícias numa carta. Palavras são manchas. A folha em branco é a gênese. Manchamos um papel para matá-lo. Para torná-lo aquilo que somos. A folha deixa de ser folha quando escrevemos. A noite deixa de ser morte quando o dia precisa nascer. Mas não há como se apagar a dor de um papel rabiscado. A gênese da dor é o final da tarde, quando se acaba um segundo parágrafo e o sol ofuscante de uma folha em branco se põe, sem ao menos citar o amor.


As noites escuras são nossos “eus” perambulantes. São a nossa oposição. O dia em que eu deveria ser uma noite ainda não aconteceu, apesar de presente. A felicidade é ter um dia após o outro, sem a nebulosidade intervalar da escuridão que nos resseca e aprisiona. O repouso é a antemorte, é o coma intuitivo da fuga que toda alma carece, é a realidade nua e crua. Retornamos sempre à posição fetal e caótica no ventre do nada. Adormece um corpo, perde-se a maquinaria. Resta uma alma inconsciente que sonha e se desfaz nas artimanhas de seu hospedeiro. Há em todos nós um inimigo, que se diverte sem nosso consentimento.


Há falhas na concepção da vida. Um ser é dia é noite, assim como as horas nascem e morrem. Aquilo que chamamos de viver é um hiato entre o eterno nascer e morrer – recurso prático de um sistema medíocre que se apresenta com altivez e aguarda por aplausos doentes da criação errante que o hospeda. Não há dias nem noites quando se vive. Transcorremos de um lado pra outro com rapidez e ansiedade; frágeis urgências presas a um eixo gravitacional, ao passo que um mundo gira quase que parado, sem nascer nem morrer, pois não tem alma. 

Repentes inocentes do amor secrecional - VII



Um leve golpe de ar passeou poro a poro, pelo a pelo, na derme única, rompendo a textura repousante da musculatura lombar.

Foi tinta transparente, lençol invisível, calor que esfria, sangue que combusta, e movimento imóvel, trepidante.

Na leveza despertada, deu-se a cosmologia da vida.

Moveu-se inteira em direção ao todo imóvel do universo da transgressão pacífica.

Rasgou com a espinha a variável Espaço e entregou-se às certezas de um tempo perdido noutro olhar.

Éramos parte do caos jogados num quarto de chamas improváveis, aquecidos pela goela umedecida da saliva alheia.

Um rosável ardor cintilante nas pálpebras quase abertas – a diabólica delícia do ócio carnal.

Nada se faz, apenas se contempla.

Fizemos o amor.

Como sempre, como nunca..

à guerra - I

Nasce à caça de tocar - reconhecer
Saciar a sede agora humana
Oxidar a garganta em intermitente grito louco
Trancando a casa da víscera quente
Até perder a sua parte corda

E deitar num colo sincero de lágrima...

Vai rosnar como lobo criança
Ante ao inverno da alma do mundo
Desde que sinta o que era um futuro
Vai fitar o pai sem sabê-lo 
E desejar o sono sempre distante
A completar quase mil noites de uma vida

E então a prima dor da infância
Na descoberta diabólica do erro possível
Enruga a pele jovem e tímida
E conduz à reflexão
A filha da honestidade e mãe do absurdo:

Glória!

Certeza ímpia de um caminho estreito...

Sob a bandeira da nação qualquer
À jurar boicotes, fundar família
Quer ser homem o menino guerreiro
Ser parte inteira, dentro, membro e braço
Tão somente em pensamento

Nas deprimentes fugas manchadas em vermelho
E trombetas que anunciam renúncias

E na noite do respiro curto
No bosque escuro das selvas da ira
Descansa morta a cabeça do soldado 
Num colo sincero cheio de sangue.

Desapego! Ensina um manual que não existe
Que o outro sinta a dor que é dele!
É capitão, amigo, líder e jorra...

Uma vida se esvai noutras mãos inocentes

Morre à caça de tocar - reconhecer 
E saciar uma sede agora humana
Oxidar a garganta em intermitente grito louco...

O guerreiro morre tal qual surge

Na dúvida de julgar os erros possíveis!

...

E eis que reflete nos olhos mortos da cabeça que sangra
Um veloz chumbo que então se hospeda 





Parto!


À glória - um lugar comum